Hoje vamos falar sobre a jornada de um psicólogo que, em
2001, iniciou uma pesquisa sobre o processamento inconsciente. Ele queria
mostrar aos alunos de psicologia que havia alternativas à visão clássica da
psicanálise, dentro do escopo científico.
Durante sua revisão de literatura, ele encontrou tantas
pesquisas que seu projeto inicial de artigo se transformou em algo mais
ambicioso: um livro acessível ao público em geral sobre os avanços no
entendimento do inconsciente. Quando estava quase terminando seu projeto, em
2005, foi publicado "The New Unconscious", um livro que reuniu os
principais pesquisadores da área e sistematizou os resultados das investigações
sobre o inconsciente em uma estrutura teórica coesa. Isso fez com que ele reformulasse
seu projeto para incluir esses novos conceitos.
Ele percebeu que na literatura científica, o termo
"inconsciente" era evitado por suas conotações psicanalíticas, e
decidiu investigar uma visão do inconsciente que não dependesse dos conceitos
freudianos. Em seu livro, ele busca apresentar um novo modelo do inconsciente,
baseado em ciência, especialmente nas neurociências cognitivas e sociais, e
relacioná-lo à psicoterapia, com um foco na terapia cognitiva.
O livro é dividido em três partes. A primeira apresenta a
história e os fundamentos neurais do novo modelo do inconsciente, ilustrando a
complexidade do processamento cerebral por meio de várias síndromes
neuropsicológicas. A segunda parte descreve os avanços nas neurociências
cognitivas dos sistemas de memória, essenciais para entender as relações entre
processamento inconsciente, personalidade, cognição e comportamento. A terceira
parte relaciona o novo modelo do inconsciente com a psicoterapia, especialmente
a terapia cognitiva e comportamental.
O autor espera despertar o interesse do público brasileiro
nas novas áreas de investigação sobre a mente humana, apresentando uma visão
mais ampla do inconsciente que integra os conceitos válidos da psicanálise
tradicional em uma nova estrutura conceitual, aberta à crítica e à verificação
empírica.
A história do inconsciente
Hoje vamos explorar a fascinante história do conceito de
inconsciente e como ele tem moldado o entendimento do comportamento humano ao
longo dos séculos. Desde a antiguidade, com Hipócrates e Galeno, a ideia de que
aspectos internos da mente influenciam nossas ações e pensamentos tem sido
debatida. Esses antigos filósofos acreditavam que quatro temperamentos básicos,
baseados em humores corporais, moldavam o comportamento humano.
Avançando no tempo, Kant também diferenciou entre
temperamento, que é biologicamente baseado, e caráter moral, que é controlado
conscientemente. Ao longo de dois mil anos, a visão do inconsciente evoluiu,
sempre presente de alguma forma no pensamento humano.
No final do século XIX e início do século XX, Freud
revolucionou o entendimento do inconsciente, criando uma teoria unificada
baseada em ideias já existentes na literatura. Ele comparou a importância de
suas descobertas a outras duas revoluções paradigmáticas: a derrubada do
geocentrismo e do antropocentrismo pré-darwiniano. Freud argumentou que sua
teoria sobre o inconsciente era o terceiro grande golpe no narcisismo humano,
destacando que muitos de nossos comportamentos são influenciados por motivações
inconscientes.
Freud não "descobriu" o inconsciente, mas
sistematizou e popularizou conceitos que estavam no ar há muito tempo. Ele
utilizou metáforas hidráulicas, comparando a mente a uma máquina a vapor,
refletindo as tecnologias de sua época. Seu modelo do inconsciente incluía o
Id, Superego e Ego, representando diferentes aspectos da mente e suas
interações.
Apesar do impacto cultural duradouro das ideias de Freud, a
psicanálise enfrentou críticas por não ser empiricamente verificável. A ciência
exige que teorias sejam testáveis e refutáveis, o que não se aplica à teoria do
inconsciente dinâmico de Freud. Como resultado, o inconsciente freudiano é mais
uma construção cultural do que uma teoria científica robusta.
Nas últimas décadas, um novo modelo de inconsciente começou
a emergir, baseado em avanços nas neurociências cognitivas. Este "novo
inconsciente" sugere que a maior parte do processamento realizado pelo
cérebro humano é inconsciente, e que temos acesso consciente apenas a uma
pequena parte dessas informações.
Este novo modelo permite que o inconsciente seja estudado
de forma científica, utilizando tecnologias modernas como varreduras cerebrais
e registros de respostas fisiológicas. A pesquisa em neurociências e outras
disciplinas como psicologia social e evolutiva oferece novas perspectivas sobre
os processos inconscientes, revelando um panorama mais completo e empiricamente
fundamentado.
Então, ao longo deste podcast, vamos explorar como a noção
do inconsciente evoluiu, desde as ideias antigas até as descobertas modernas, e
entender como essas diferentes visões moldaram e continuam a influenciar nosso
entendimento da mente humana.
O Topo Do Iceberg
Uma metáfora sedutora nos ensinamentos da psicanálise é a
comparação da consciência com o topo de um iceberg. A maior parte do iceberg
está oculta abaixo da superfície da água, embora somente o topo (cerca de um
décimo do volume total) seja visível. No entanto, são as correntes subterrâneas
que movem o bloco de gelo, da mesma forma que nossas motivações inconscientes
impelem nosso comportamento. Essa visão cativante é endossada pela neurociência
cognitiva atual – boa parte de tudo que se passa em nossa mente está oculta de
nossa consciência. Como afirma o neurocientista cognitivo V. S. Ramachandran
(2002, p. 198), “a mais valiosa contribuição de Freud foi a descoberta de que a
mente consciente é simplesmente uma fachada e de que você é completamente
inconsciente de 90% do que realmente se passa em seu cérebro”.
A metáfora é precisa, mas o entendimento das razões que
levam a este fenômeno por meio da ótica das neurociências difere da tradicional
teoria psicanalítica, que oferece tanto descrições de fenômenos amplos do
comportamento humano como explicações teóricas. Embora seja uma tarefa difícil
desemaranhar a descrição da complexa teoria psicanalítica, atualmente é
possível levantar novas hipóteses explicativas, sob o enfoque do arcabouço
teórico do novo inconsciente, para os interessantíssimos fenômenos do inconsciente
que a psicanálise descreveu, assinalando as convergências e as divergências
entre os dois modelos. Neste livro, abordaremos fenômenos como repressão,
transferência e contratransferência, mecanismos de defesa, capacidade de
insight, entre outros que pertencem tradicionalmente ao domínio da psicanálise,
mas sob o ângulo do novo inconsciente.
Se concordarmos com a metáfora da mente como um iceberg,
surge o problema de identificar o tamanho relativo da parte escondida abaixo da
superfície (o processamento inconsciente) e do topo (a consciência). Estudos
realizados por pesquisadores interessados em avaliar a capacidade de
processamento humano (revisados por Norretranders, 1998) lançam luz a esta
intrigante questão. A informação foi medida em bits, de forma a permitir
comparações entre diferentes modalidades (visual, auditiva, tátil, etc.), e a
quantidade de informação dos sentidos somados foi considerada a capacidade
total de processamento. Nosso sofisticado sistema visual sozinho responde pelo
processamento de 10 milhões de bits por segundo, enquanto todos os outros
sentidos somam mais 1 milhão de bits a cada segundo. Ou seja, nosso
inconsciente processa um total de 11 milhões de bits a cada segundo.
A capacidade de processamento da consciência é fraca em
termos de comparação e depende da tarefa desempenhada (Norretranders, 1998),
como ler silenciosamente (máximo de 45 bits por segundo, o que corresponde a
algumas palavras), ler em voz alta (cerca de 30 bits por segundo), multiplicar
dois números (apenas 12 bits por segundo). Se adotarmos uma média de 50 bits a
cada segundo (um valor considerado otimista) como a capacidade de processamento
consciente, chegamos à conclusão surpreendente de que o processamento
inconsciente é cerca de 200 mil vezes maior do que o consciente (Dijksterhuis,
Aarts e Smith, 2005). Ou seja, o topo visível do iceberg é apenas uma fração
minúscula do que realmente se passa em nossa mente.